Enquanto presidente da associação de instituições de crédito especializado (ASFAC), cargo que ocupa desde a sua fundação, há 25 anos, António Menezes Rodrigues temeu pelo efeito do aumento do imposto do selo, mas verifica-se que este não afectou a recuperação do negócio. Neste caso, diz, pode haver pequenos ajustes por parte do vendedor, mas quem paga a subida do imposto “é sempre o consumidor”.
Actualmente, muitos dos empréstimos concedidos pelos associados da ASFAC (onde se incluem bancos especializados e instituições de créditos como a Cofidis, Montepio Crédito, Financeira El Corte Inglês ou Volkswagens Bank) é a comerciantes, para ajudar à tesouraria e à reposição de stock. Sobre as buscas que a Autoridade da Concorrência realizou no início do ano em várias empresas do sector, confirma que também a sede da ASFAC foi visada, mas diz estar “com a consciência muito tranquila”.
Qual tem sido o impacto do aumento do imposto de selo nos pedidos de crédito ao consumo, aplicado pelo Orçamento do Estado? Temia efeitos negativos, mas tem havido um crescimento da actividade do sector...
De facto, o aumento do imposto de selo não terá afectado de forma penosa a actividade e os contribuintes. Isto porque as empresas, com destaque para o sector automóvel, encontraram soluções para amortecer os preços. Não podemos dizer que tenha sido um factor de desaceleração da procura. Mas tendo em conta que o plano do Governo para 2016, com vista a promover o crescimento, assentava na procura interna, lançar impostos sobre o consumo não é uma forma de promover a procura interna.
Quem é que afinal está a pagar o aumento de 50% do imposto do selo?
O consumidor. É sempre o consumidor. Mas se se encontrarem soluções para amortecer isso... uma hipótese é o vendedor descer um pouco o valor, fazer um desconto. Mas em última análise é sempre o consumidor que vai pagar, não tenhamos dúvidas sobre isso.
Os dados de Maio mostram que houve um aumento do crédito pessoal de 36% face ao mesmo período do ano passado, uma subida expressiva. Esperava este valor?
Temos sempre de ter algum cuidado quando nos referimos à evolução do crédito concedido. Quando se parte do zero, qualquer crescimento é expressivo. Aquilo que se está a assistir é a uma recuperação. Se se olhar para o período antes da crise, o ano de 2010, verá que ainda não chegámos a esses valores.
Os valores mostram que o total de crédito concedido já é superior...
Isso é o total do crédito às empresas, não é para consumo. E inclui crédito stock, crédito à tesouraria, para financiar os comerciantes, com destaque para o sector automóvel, de novos e usados, aos quais foi dado o apoio necessário para se aguentarem.
Há uma maior tendência para esse tipo de crédito junto dos vossos associados, em vez da banca tradicional? Os juros não são mais elevados?
Os juros são iguais aos da banca. E a banca anda à procura do seu modelo de funcionamento. O sistema bancário alterou-se profundamente. O modelo de negócio mudou, e teve uma paragem. Tem de manter o seu rácio de liquidez, e se dá crédito fica desequilibrado quando é alvo dos testes de stress. Por outro lado, as pequenas empresas têm falta de capital, principalmente em períodos de crise.
Há pessoas a contrair crédito pessoal para pagar outras dívidas?
Isso tem acontecido.
Mas acontece mais ou menos do que antes?
Temos de avaliar isso nas diferentes fases da nossa sociedade. Vivemos um boom no crédito porque o mundo estava cheio de dinheiro e o nosso sistema financeiro começou a emprestar dinheiro à força toda. Essa facilidade de oferta de dinheiro também criou facilitismo junto do consumidor. Há uma cultura que foi forjada lá atrás, principalmente no Estado Novo, em que as pessoas começaram a criar o hábito da poupança. As coisas hoje já não são exactamente assim, as pessoas têm mais informação e, de algum modo, o interesse, a necessidade e o gosto pela aquisição de coisas novas, sejam televisões, carros ou viagens, e isso criou um deslizamento deste hábito da poupança.
Sente que há mudanças hoje face ao período antes da crise na maneira como as pessoas se posicionam nos pedidos de crédito ao consumo?
Depois do boom do crédito veio a crise e as autoridades em geral, particularmente as europeias, começaram a despejar regras para que as instituições financeiras cumprissem uma série de directivas no sentido de reforçar a sua solidez. Isso obrigou as empresas a tratar o crédito de uma forma diferente, mais cuidada. Por outro lado, somaram-se a isto os instrumentos para medir a capacidade de crédito e a taxa de esforço possível dos consumidores. Hoje temos os consumidores mais educados financeiramente, mais cientes de que nas crises são necessários cuidados, porque estamos todos sujeitos às dificuldades, aos divórcios, ao desemprego, à doença. Por conseguinte, com as empresas obrigadas a serem mais cuidadosas e a população mais educada financeiramente, estamos em crer que não vamos ter as situações de sobreendividamento tão violentas como no passado.
Mas sente que há diferenças na forma como as pessoas fazem os pedidos e na forma como as próprias empresas analisam o risco?
As empresas hoje têm todos os instrumentos para analisar o risco…
Antes também já tinham e não parece que tenham levado isso à risca.
A verdade é que as nossas empresas hoje têm taxas de incumprimento que são bem aceitáveis.
Quais são?
Entre as nossas associadas são bem aceitáveis. O incumprimento que nos pode afectar começa-se a contar a partir dos 90 dias. Nos automóveis é muito baixo, está abaixo de 1%, e o global está à volta dos 2%.
E o crédito pessoal?
Esse é mais elevado, anda nos 3%, 4%.
O que é que fazem nesse tipo de situações? Tentam negociar? Optam por uma recuperação mais agressiva?
Não, não, isso tudo tem regras agora. A recuperação musculada é uma coisa que já não é consentida. O nosso tipo de actuação é tentarmos recuperar primeiro, por insistência junto do cliente. E renegociamos muitas vezes. Se o cliente demonstra que não tem condições para pagar nestes termos, mas pode pagar naqueles, é tudo negociado. Depois quando se vai para tribunal, o tribunal é que decide. Menos para o fisco, que salta para cima das contas bancárias das pessoas.
O relatório de supervisão do Banco de Portugal, de 2015, mostra que há ainda muitas queixas de clientes relativas ao crédito ao consumo, nomeadamente, falta de comunicação de responsabilidades no caso de incumprimento, os métodos usados na cobrança da dívida, que inclui a contratação de empresas externas, e a ausência de propostas para regularização ou prevenção dos montantes em falta.
Não é essa a última informação que nós temos. O problema é que muitas vezes as pessoas estão a pagar e não nos vêm dizer que estão aflitas. Mas quando estão nestas situações, certamente que as empresas as ouvem. Agora, há sempre queixas. Sobretudo dos tipos que não querem pagar, os caloteiros.
Certamente não serão só os caloteiros a queixarem-se…
Admito que não, mas a informação que tenho – e eu já fui presidente de uma empresa financeira e sei como é que me comportava – é que nós analisamos sempre o problema da pessoa e se não temos dúvidas nenhumas quanto à veracidade do que nos está a relatar, então encontramos sempre uma solução.
De certa forma, muitas as pessoas que recorrem ao crédito ao consumo junto dos associados da ASFAC não têm baixa literacia financeira, e não conseguem ter inteira compreensão do contrato que estão a assinar?
As regras estão estabelecidas pelo regulador e é obrigatório que a empresa entregue às pessoas a ficha com as instruções e condições do crédito.
A questão é se pessoa percebe o que lá está estabelecido…
Admito que o grau de literacia financeira não é muito alto, mas as pessoas na generalidade entendem bem tudo isto, porque é analisada a sua capacidade para reembolsar a empresa, e têm de mostrar o IRS e várias outras informações. E também temos acesso aos dados do Banco de Portugal que mostram se há algum impedimento.
Em relação à imposição de limites máximos às taxas de juro, evitando aquilo que se chama a usura, aplicada pelo Banco de Portugal, isso foi positivo para os consumidores ou as empresas tendem a encostar-se ao máximo?
Depois do Banco de Portugal estabelecer tectos, as empresas vão oferecendo taxas diferentes, mas há uma tendência de se encostarem.
Então foi uma medida contraproducente?
Não, porque baixou bastante, foi bom para os consumidores. Nos cartões de crédito, por exemplo, as taxas eram de 32%.
No início do ano a Autoridade da Concorrência (AdC) realizou buscas a várias das vossas associadas. As instalações da ASFAC também foram visadas?
A AdC faz a sua função e nós estamos sempre disponíveis para colaborar com a AdC.
Havia indícios concretos de troca de informação sensível, inclusive no crédito automóvel. Como reage a essas suspeitas?
Uma coisa que lhe posso garantir é que nós, a ASFAC e as nossas empresas, não cometemos nada que seja irregular. Estamos com a consciência muito tranquila.
Mas confirma que a AdC esteve aqui também na sede da ASFAC?
Pediu umas informações, sim.
Tem estado em diálogo com a AdC?
Estamos sempre disponíveis para prestar o nosso apoio.
Têm sido pedidas informações adicionais?
De vez em quando eles pedem informações e nós damos.
O que pensa que poderá ter motivado estas suspeitas se garante que não há qualquer prática ilegal?
Houve um problema num banco, ou dois bancos. Houve uns problemas ligados a questões de concorrência e um banco terá informado isso.
Poderá estar ligado ao outro caso de cartelização da banca que a AdC está a investigar?
Isto vem a propósito de um caso da banca.
Foi uma denúncia de um banco?
Estas são situações muito delicadas, eu não posso garantir. O que eu sei é que estamos muito tranquilos e certos de que não haverá problemas.
O desfecho que espera é que a AdC deixe cair a investigação?
Sim.
Não acha que está a ser muito taxativo havendo uma investigação em curso?
Não temos nenhuma razão para não estarmos tranquilos. Se tivéssemos não estaria a dizer isto, porque as multas são pesadas e impendem também sobre as pessoas.
FONTE: Jornal Público (07/09/2016)