Portugal registou, nos primeiros três meses do ano, 544 empresas insolventes, mais 40 do que há um ano, o que representa um crescimento de 7,9%. Números globais que escondem realidades díspares em termos setoriais. É que, enquanto a construção, as atividades imobiliárias, o alojamento e restauração e a agricultura tiveram menos insolvências este ano, no caso da indústria, as falências dispararam, impulsionadas pelas dificuldades do têxtil e da moda.
Os dados são da Informa D&B e mostram que, dos 174 processos de insolvência de empresas industriais no primeiro trimestre, 61% são da têxtil e moda, que inclui as indústrias do vestuário e do calçado. Comparativamente ao primeiro trimestre de 2023, assistiu-se a um crescimento de 159% de insolvências nestes setores, com 106 empresas em dificuldades, contra as 41 do ano passado. Um agravamento significativo, sobretudo se tivermos em atenção que, nos 12 meses de 2023, a têxtil e a moda registaram 259 insolvências. No setor industrial como um todo foram 464 falências.
A provar as dificuldades das indústrias ligadas à moda estão os números do desemprego. Em fevereiro, dos 288 658 desempregados inscritos nos centros de emprego, quase 56 mil eram oriundos do setor industrial. E, destes, mais de 14 mil eram trabalhadores do têxtil, vestuário e calçado, setores com crescimentos homólogos de inscritos de 8,4%, 12,3% e 80,7%, respetivamente.
Para o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), estes são números que não surpreendem, atendendo às indicações que vai recebendo das “dificuldades em fazer negócio”. E que não são exclusivas de Portugal. “Até os nossos amigos turcos se queixam da diminuição de compras”, garante Mário Jorge Machado, que esta semana esteve em Bruxelas em reuniões da Euratex, a confederação europeia do setor.
A provar a menor apetência dos consumidores em gastar dinheiro em artigos de moda está a quebra das exportações do têxtil e vestuário, que nos primeiros dois meses do ano caíram 8,4%, ficando-se pelos 925 milhões de euros, mas também as importações, que recuaram 10,2% para 741,8 milhões de euros.
“Não estamos sozinhos, o que, não sendo bom, é menos mau. Poderia ser um problema de a nossa economia estar desadequada às tendências de crescimento global. Assim, entende-se que não é um desajustamento do nosso tecido industrial, estamos, sim, é a passar uma fase negativa na Europa”, refere o responsável, sublinhando: “Se compararmos o crescimento económico europeu em 2023 com o americano, só temos de ficar envergonhados. Os números europeus são um desastre.”
Mário Jorge lembra que a China “está a dar grandes incentivos à indústria” para conseguir que os seus produtos cheguem mais baratos à Europa, e que os Estados Unidos estão, igualmente, a “dar grandes apoios para estimular o crescimento” da sua indústria, o que faz com que a Europa, “muito pressionada” por estes dois grandes blocos, “esteja a ficar para trás”.
Apesar de tudo, o empresário acredita que o sentimento nos negócios em março já esteve “ligeiramente melhor” e o lado bom da situação é que a indústria portuguesa não está a perder clientes. Pelo contrário, há novas marcas a quererem deslocalizar a sua produção para Portugal, assegura. A questão é mesmo conjuntural, decorrente do enorme arrefecimento económico provocado pela guerra na Ucrânia e pelo agudizar do conflito israelo-árabe. “Estamos com níveis de poupança recorde na Europa, o que prova que os consumidores estão com uma atitude de grande precaução”, diz.
Do novo Governo, Mário Jorge Machado pede ajuda para acesso a crédito bonificado e a simplificação dos programas de formação, de modo a auxiliar as empresas “nesta travessia do deserto”. Até porque, lembra, “as empresas portuguesas estão agora com dificuldades agravadas face às suas congéneres europeias, porque, ao contrário do resto da Europa, que deu ajudas a fundo perdido na pandemia, Portugal concedeu sobretudo crédito, que agora tem de ser pago”.
Também a APICCAPS, a associação do calçado, fala num “reajustamento necessário” do tecido industrial face a um enquadramento internacional “particularmente adverso”. “Estamos a falar de setores altamente exportadores e, por isso, muito dependentes da evolução dos mercados externos. E, em particular no calçado, os nossos principais destinos tiveram comportamentos muito frágeis, o que penaliza as nossas exportações”, afirma Paulo Gonçalves, sublinhando que o setor aguarda por melhores dias no comércio internacional.
Mas há também quem esteja a atravessar um bom momento. É o caso da construção e das atividades imobiliárias que, em conjunto, registaram, este ano, 82 empresas insolventes, contra as 104 do primeiro trimestre de 2023. O presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI) aponta o “bom estado do setor”, à boleia das obras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e de “algum crescimento” na habitação.
“O setor não tem, neste momento, problemas de trabalho. Temos falta de mão-de-obra, temos os materiais mais caros, mas não falta trabalho”, diz Reis Campos, lembrando que, nos tempos da troika, a realidade era distinta e o setor perdeu 43% das suas empresas e mais de 250 mil trabalhadores. Hoje é constituído por 98 mil empresas e cerca de 630 mil trabalhadores.
FONTE: https://www.dn.pt/1875862024/insolvencias-no-textil-e-moda-mais-do-que-duplicaram-no-1o-trimestre/ (15/04/2024)