Foi finalmente publicada a Lei n.º 8/2018, de 2 de março, que cria o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE).
O RERE visa, na prática, a certificação de um acordo com credores, destinado à alteração da composição, condições ou estrutura do ativo ou do passivo de um devedor.
Opera mediante depósito do Acordo na Conservatória do Registo Comercial;
Pode ser precedido, ou não, por um período negocial (com a duração de 3 meses, prorrogável), sujeito a depósito de Protocolo na Conservatória.
Aplica-se, entre outros, a pessoas coletivas empresariais e a singulares titulares de empresas, que não estejam insolventes.
Prevê a possibilidade de nomeação de um Mediador de Recuperação de Empresas, a quem incumbe prestar assistência ao devedor.
O RERE caracteriza-se pela sua natureza voluntária, pelo que, em regra, a participação no acordo ou nas negociações, bem como o seu conteúdo e, sobretudo, a produção de efeitos internos (entre as partes) ou processuais depende quase exclusivamente do que as partes convencionem.
Esta é, talvez, a mais relevante nota distintiva do RERE, relativamente ao regime anterior – ao contrário do que sucedia no SIREVE, em que o despacho de aceitação do requerimento por parte do IAPMEI tinha por efeito imediato suspender as ações de cobrança de dívida contra a empresa e contra os próprios avalistas, ainda que, mais tarde, estes pudessem declarar (no caso da AT e Segurança Social, fundamentadamente), que não pretendiam participar e assim retomar aquelas ações; o RERE não impõe verdadeiros efeitos processuais na esfera dos credores, dado que aqueles efeitos só se produzem se as partes não os afastarem prévia e expressamente.
Exceciona-se, como efeito interno, o disposto quanto à Segurança Social, a AT ou os trabalhadores, que estão obrigados a participar nas negociações. Acrescendo que, com o depósito do Protocolo de Negociação, os prestadores de serviços essenciais ficam impedidos de interromper o fornecimento destes por dividas relativas a serviços prestados em momento anterior ao depósito.
Ora, neste quadro, o que mais impressiona é o alcance dos efeitos fiscais associados ao enquadramento em RERE de um acordo voluntário entre devedor e credores, por força do seu mero depósito na Conservatória.
Vale a pena destacar:
Aplicam-se os benefícios em matéria de imposto do selo, IRS, IRC e IMT conforme previstos nos artigos 268º a 270º, do CIRE, desde que a reestruturação respeite a, pelo menos, 30% do total do passivo não subordinado do devedor.
Os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados gastos ou perdas do período de tributação para efeitos de IRC e pode ser deduzido o IVA relativo a créditos considerados incobráveis, desde que (i) a reestruturação respeite a, pelo menos, 30% do total do passivo não subordinado do devedor; (ii) do acordo resulte o não pagamento definitivo do crédito; (ii) e o ROC certifique que a situação financeira da empresa fica mais equilibrada, por aumento da proporção do ativo sobre o passivo, e os capitais próprios do devedor são superiores ao capital social.
Assim, a partir da entrada em vigor do diploma e respeitando algumas regras de natureza meramente formal, será possível obter uma espécie de via verde para importantes benefícios fiscais – especialmente na esfera dos credores – o que, embora indiretamente, também poderá ajudar os devedores a recuperar.
Para já, isso será possível mesmo no caso de devedores insolventes, dado que nos próximos 18 meses também poderão – com a bênção dos seus credores – depositar um RERE na Conservatória.
Fonte: Nota Informativa - Valério, Figueiredo e Associados - Sociedade de Advogados, SPRL, 14-03-2018