Podemos chegar ao fim deste ano e vir a contar o quadruplo dos pedidos de apoio que chegaram ao Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado da DECO no início da crise. O cálculo tem por base os dados do boletim estatístico, divulgado esta terça-feira pela DECO, e revela que continuam a aumentar os casos de pessoas que se veem enredadas numa acumulação de dívidas a instituições de crédito ou outros credores para satisfazerem as necessidades do agregado familiar.
Só nos primeiros 91 dias de 2016, o gabinete criado pela associação de defesa do consumidor registou 7434 pedidos de ajuda por terem múltiplos créditos que não conseguem pagar. Fazendo as contas, dá cerca de 82 apelos por dia. Em todo o ano de 2008 estes totalizaram 6724, ou seja 18 pedidos por dia... quatro vezes e meia menos que agora.
A confirmar-se a tendência, poderemos especular que se chegará ao fim do ano com mais de 29.900 pedidos de ajuda, o que será superior ao registado em 2014 e 2015 (29 mil por ano). Porém, estes números causam estranheza a Natália Nunes, coordenadora deste gabinete de apoio. “Era suposto que o cenário tivesse sido alterado este ano, porque aparentemente há uma diminuição do desemprego e está a haver a reposição de salários, mas tal não aconteceu”, constata, em declarações ao Expresso.
Apesar de o desemprego continuar a aparecer como uma das principais causas para o sobre-endividamento (27% dos casos), a precarização do trabalho ocupa o mesmo plano (27%). “Há um novo fenómeno, que é o de as pessoas estarem a voltar ao mercado de trabalho, mas de forma muito precária”, justifica Natália Nunes, lembrando que “quem antes recebia 1000 euros, ganha agora 600 ou 500 euros, o que não permite ter as condições de vida que tinha antes”.
A ideia da precarização do trabalho em Portugal foi esta quarta-feira corroborada pelo ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, em declarações sobre a importância de fazer subir o salário mínimo. Citado pela Lusa, o ministro assume que “a percentagem de pessoas que trabalham que permanecem em risco de pobreza é mais elevada, e por isso o aumento do salário mínimo é uma medida importante para a coesão social no país e para o combate à pobreza”.
E mesmo a reposição de 20% dos cortes feitos em 2011 nos salários da função pública, em 2015, e a reposição do restante, ao ritmo de 25% por trimestre, anunciada pelo atual Governo, não têm, por enquanto, conseguido travar o sobre-endividamento.
Em média, cada pessoa nestas circunstâncias tem atualmente de responder por cinco créditos diferentes, segundo as estatísticas da DECO: um relativo a habitação, dois ligados a cartões de crédito e outros dois a crédito pessoal diverso. São menos do que a média registada em 2008 (sete créditos por sobre-endividado). O máximo registado pelo gabinete de apoio indica 11 créditos em nome de uma só pessoa, em 2016.
Segundo o estudo da Deco, cerca de 43% dos agregados familiares em causa apresentam rendimentos entre €531 e €1060, auferindo 14% menos de €530 e um quinto dos agregados sobre-endividados mais de €1590.
Com base na tabela relativa ao montante médio dos créditos a pagamento nestes processos, constata-se que uma só pessoa terá em média uma dívida de 88 mil euros que não está a conseguir pagar. Mas o incumprimento dos pagamentos é agora menor (57%) que o registado em 2014 (63%).
O distrito do Porto continua à frente no ranking dos que mais pedidos de ajuda fez chegar à DECO (26,6% dos registos), sem variações significativas nos últimos três anos, seguindo-se Lisboa (24,2%, com uma ligeira descida) e Setúbal (12,5%).
PENHORAS AUMENTAM
Outro problema destacado pela coordenadora do Gabinete de Apoio aos Sobre-endividados é o das penhoras de bens. “O não pagamento de IMI ou de dívidas ao fisco ou à segurança social tem levado a algumas penhoras e no conjunto representam 14% das causas do sobre-endividamento”, afirma Natália Nunes.
A responsável pelo gabinete de apoio da DECO lembra que , por isso, “é tão importante a proposta que está a ser discutida no Parlamento e que pretende travar as ações judiciais que levam à penhora das casas de família por dívidas às finanças ou à segurança social”. A DECO apela: “O problema das famílias tem de terminar”.
FONTE: Jornal Expresso (23/04/2016)