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GOVERNO PEDE MÃO PESADA À JUSTIÇA PARA AS FALIDAS QUE RECORREM AO REVITALIZAR

"Pode recorrer ao PER [Programa Especial de Revitalização] todo o devedor que se encontre comprovadamente em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, independentemente de o devedor ser uma pessoa singular ou uma pessoa colectiva, ou mesmo um ente jurídico não personalizado", lê-se no guia prático do PER, publicado pela Direcção-geral da Política de Justiça. Mas segundo a associação de gestores de insolvência, APAJ, uma coisa é a lei, a outra a realidade. O caso mais mediático é o do Boavista Futebol Clube, que está há vários anos sem capacidade para cumprir os seus compromissos e em contencioso com credores.

O presidente da APAJ, José Ribeiro Gonçalves, diz não pensar no PER como algo negativo, mas há mecanismos que lhe merecem reprovação, para os quais já chamou a atenção ao Governo. "Uma das questões que podemos considerar negativa, e que vai contra a sensibilidade do legislador, são as empresas que estão economicamente e financeiramente insolventes e que recorrem ao PER, quando não é um instrumento para estes casos", sublinha.

Em resposta por e-mail ao Negócios, o secretário de Estado da Economia e "mentor" do Revitalizar, Almeida Henriques, reconhece que "a compreensão dos actuais instrumentos, por parte de todos os actores, é muito importante".

De seguida, avalia a performance, até ao momento, no combate ao recurso ilegítimo a este instrumento. "Creio que estamos a melhorar essa dimensão, com a divulgação e a formação que estamos a empreender sobre o Programa com ordens profissionais, como os ROC [Revisor Oficial de Contas] e TOC [Técnico Oficial de Contas], evitando um recurso menos adequado aos instrumentos em vigor", explica o governante.

Por fim, mostra confiança no sistema: "O uso ilegítimo desses mecanismos deve ser combatido e punido. Confio na competência dos poderes judiciais para esse fim", sustenta o governante.

Programa em risco?

Ribeiro Gonçalves defende que as empresas insolventes que recorrem ao sistema "estão a colocá-lo em risco", porque abre um hiato para que as administrações das empresas nessa situação tomem decisões que possam "prejudicar os credores". O líder da APAJ afiança que já conversou com o secretário de Estado da Economia, e o "‘feed-back’ é que é preciso fazer um balanço dos mecanismos e que eles não têm de estar sempre a ser revistos".

Segundo Ribeiro Gonçalves, um juiz não tem nenhum mecanismo legal que enquadre uma recusa nestes casos de insolvência.

Quatro meses ou seis meses?

O representante dos gestores judiciais revela ainda que os prazos do programa não estão a ser cumpridos, sendo que um dos objectivos do Revitalizar era acelerar os prazos. "O PER tem no máximo três meses de negociação [mais um mês, inicial, para a afixação dos créditos], mas esse período só começa a contar a partir do termo do prazo de impugnação da relação de crédito decretada pelo administrador judicial provisório. Em termos práticos, abre um prazo que pode chegar aos cinco ou aos seis meses", alerta Ribeiro Gonçalves.


Porquê só 420 PER num ano de recorde de insolvências?

O Revitalizar ainda só tem oito meses, o lastro é curto, mas como é que num ano em que se registaram 6.688 insolvências de empresas em Portugal, num aumento de 41% face ao ano anterior, só pouco mais de 400 empresas se apresentaram ao PER? "Em Portugal, assim como nos países latinos de formação católica, temos um estigma face à insolvência", começa por explicar o presidente da Confederação do Comércio e dos Serviços de Portugal, João Vieira Lopes.

O mesmo responsável diz que "as empresas tentam esticar até ao fim situações, e atrasam as declarações de insolvência, para poderem fazer reestruturações". Porquê? "Há um problema de fundo: começa-se a pensar que o empresário está falido e começam a apertar. Depois, alguns clientes também desistem porque pensam que não vão ser fornecidos. A banca também fecha a torneira. Há uma cultura de atrasar o mais possível a entrada em programas neste tipo", sintetiza Vieira Lopes.