A retoma lenta que Portugal está neste momento a registar não é suficiente para criar os empregos que o país precisa. E, sem mudanças, a consequência será a saída para o estrangeiro dos mais qualificados e a permanência em Portugal de mão-de-obra cada vez mais desajustada às necessidades.
Passados quase quatro anos desde que chegou a Portugal para negociar o programa de resgate da economia, o FMI continua, no seu primeiro relatório depois de a troika ter saído do país, a traçar um cenário sombrio de crescimento e a recomendar mais reformas estruturais e consolidação orçamental. Sem elas, volta a garantir, a crise vai continuar por muito tempo no mercado de trabalho.
O Fundo diz que o crescimento da economia portuguesa previsto para os próximos anos, e que rondará 1,5%, não será suficiente para travar a estagnação do mercado de trabalho. Como resultado, o ajustamento arrisca-se a ser feito por via da saída de trabalhadores, nomeadamente os qualificados, para o estrangeiro, deixando no país uma força de trabalho há muito arredada do mercado e que fica com qualificações desajustadas das necessidades.
Na análise que faz à situação do emprego em Portugal, o FMI começa por reavaliar quais os indicadores que usa. Subir Lall, o chefe de missão do Fundo em Portugal já tinha dito não compreender como é que a taxa de desemprego tinha descido tanto nos últimos trimestres. Agora, no relatório publicado esta sexta-feira, vai mais longe e reconhece que olhar apenas para a taxa de desemprego não permite captar totalmente a realidade.
Usa por isso um indicador mais abrangente, juntando aos números oficiais os trabalhadores desencorajados – “que aumentaram de forma drástica durante a crise” – e os que, estando empregados, trabalham menos horas do que gostariam, colocando o desemprego real em 20,5% no terceiro trimestre de 2014, superior ao número da taxa de desemprego habitualmente usado (que é actualmente de 13,1%, porque não contabilizam os desencorajados e o subemprego). Antes da crise de 2008, a mesma medida de desemprego real era de 9,8%.
Perante este cenário, o FMI conclui que qualquer tentativa séria de resolver o problema da estagnação do mercado de trabalho “implica um crescimento da procura agregada maior do que o estimado”. A instituição liderada por Christine Lagarde antevê que um crescimento médio da economia de 1,5% no período entre 2015 e 2019, permitirá reduzir o desemprego “apenas” 2,5 pontos percentuais em 2019, para 18%.
O Fundo assinala que, neste contexto de baixo crescimento, há um “sério risco” de que a estagnação do mercado de trabalho seja eliminada pela saída adicional de trabalhadores para o exterior e por “uma atrofia das qualificações dos trabalhadores que estão fora do mercado de trabalho por um período prolongado”. Ou seja, o ajustamento poderá ser feito por via da saída de trabalhadores, nomeadamente os qualificados, para o estrangeiro, deixando no país uma força de trabalho há muito arredada do mercado e que fica com qualificações desajustadas das necessidades.
Riscos para o crescimento
A solução, acrescentam os técnicos que estiveram em Lisboa entre 28 de Outubro e 4 de Novembro, passa por colocar a economia a crescer mais. Mas o optimismo não é muito.
No presente, o que vê o FMI é uma economia que já começou a abrandar e que está outra vez a ficar dependente do consumo privado para crescer, em vez de das exportações. É por isso que o FMI prevê que, depois de um crescimento de 0,8% em 2014, Portugal cresça este ano 1,2%, um valor que fica abaixo dos 1,5% que ainda são projectados pelo Governo.
A médio prazo, o Fundo vê no seu cenário base a economia a crescer em torno de 1,5% ao ano. Mais exactamente, as previsões são de um crescimento de 1,3% em 2016 e 1,4% em 2017, apontando-se a partir para variações do PIB anual de 1,6%. Mas, avisam os técnicos do FMI, mesmo este cenário, apenas irá acontecer se os Governos em Portugal fizerem as reformas estruturais recomendadas pela troika e se uma série de riscos externos e internos não se concretizarem.
“O crescimento de médio prazo projectado depende de aumentos substanciais na produtividade total dos factores, que por sua vez dependem da implementação bem-sucedida das reformas estruturais”, afirma o Fundo, avisando que, “se os esforços de reforma começarem a mostrar sinais de uma pausa prolongada, novas revisões em baixa para o crescimento de médio prazo podem tornar-se inevitáveis".
As reformas, de acordo com o Fundo, devem centrar-se nos dois problemas que impedem o crescimento da economia no médio prazo: a reduzida competitividade externa e o endividamento excessivo das empresas. E é aqui que o FMI está pouco optimista. O relatório repete o que tinha sido dito já pela Comissão Europeia e detecta vários sinais de que o ímpeto das reformas estruturais está a abrandar. E dá diversos exemplos, como a subida do salário mínimo, a subida dos preços da energia, o adiamento das mudanças nas profissões altamente reguladas, as alterações na lei do arrendamento e os problemas no mapa judiciário.
O FMI critica ainda o desaparecimento da Esame, a entidade liderada por Carlos Moedas e que fazia a ligação entre a troika e os diversos ministérios dentro do Governo.
“Tentação populista”
Para piorar mais ainda as expectativas que o FMI tem em relação ao que Portugal irá fazer em termos de reformas, só poderia acontecer uma coisa: eleições. No relatório, o Fundo diz estar preocupado com o efeito que as próximas eleições legislativas terão no ritmo de aplicação de reformas estruturais em Portugal, dando como exemplo aquilo que tem vindo a acontecer desde o final do programa da troika.
“Tal como já se viu durante os últimos seis meses, o período pré-eleitoral não facilita o lançamento de iniciativas ambiciosas de reformas, esperando-se que a tentação em relação a políticas populistas suba”, afirma no relatório.
Subir Lall, o chefe da missão do FMI em Portugal, não quis, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, esclarecer o que entendia por populismo. Disse apenas que, para o futuro, "o processo de reformas em Portugal tem de ser feito durante muitos anos, independentemente de quem estiver no governo".
A resposta do Governo a estas acusações do FMI surgiu logo nesta sexta-feira. Numa carta assinada pelo director do Fundo que representa o grupo de países onde está incluído Portugal (e a Itália e Grécia), é dito que “a repetida sugestão de que o ciclo eleitoral está a afectar o processo de reforma é inapropriada”. “As eleições são uma característica dos regimes democráticos e não devem ser apresentadas como eventos disruptivos para os processos de reforma”, afirma a missiva enviada ao FMI por Carlo Cottarelli, o director executivo para Portugal, e pela sua conselheira, Inês Lopes.
Apesar de todos os obstáculos que encontra quanto ao crescimento do país, o FMI insiste, ainda assim, que agora é a melhor altura para actuar. Subir Lall defende que este é o momento para aproveitar a janela de oportunidade dada pelas condições positivas dos mercados. "A situação é agora muito melhor do que era, incluindo o efeito positivo da acção do BCE, da depreciação do euro e da descida do preço do petróleo, mas a janela não vai estar sempre aberta", afirma.
FONTE: Jornal O Público (30/01/2015)