Pela primeira vez desde 2011, os pedidos de ajuda de famílias em dificuldades financeiras caíram. No ano passado, 29.006 famílias contactaram a Deco para lidarem com situações de sobreendividamento, o que significou uma queda, embora ligeira, face a 2013. Já o número de processos abertos pela associação de apoio aos consumidores fixou-se em 2768, menos 31% do que no ano anterior. Uma redução que se explica com o facto de haver cada vez mais casos em que já há pouca margem para recuperar
Desde que a Deco abriu o gabinete de apoio ao sobreendividado, no ano 2000, os pedidos de ajuda não pararam de aumentar. Dados cedidos ao PÚBLICO pela associação mostram que, logo em 2009, os contactos quase duplicaram. No ano seguinte abrandaram, mas voltaram a disparar a partir de 2011. No ano passado, porém, registaram a primeira queda dos últimos quatro anos, embora com um recuo ténue de 208 casos.
A maioria dos pedidos de auxílio não tem seguimento, visto que a Deco não acompanha situações em que já não haja recuperação possível ou que tenham resultado em acções judiciais, como as insolvências. E, por isso, dos mais de 29 mil contactos registados em 2014 foram abertos apenas 2768 processos de acompanhamento, o que significa uma redução de 31% face a 2013. Já nesse ano o número de tinha caído 25% em relação ao 2012 – período em que os processos abertos atingiram um pico de 5407.
A coordenadora do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS), Natália Nunes, explica que este recuo está relacionado com o facto de haver “um agravamento tão acentuado nas dificuldades que há cada vez mais quem não consiga reestruturar o orçamento familiar” e encontrar uma solução para os seus problemas financeiros. “De ano para ano, as dificuldades das famílias são cada vez mais graves. Há uns anos socorriam-se das poupanças ou da ajuda de amigos e familiares, mas essas saídas já não existem”, refere a responsável.
Uma das diferenças que se tem feito sentir desde 2008 é o número de créditos associados a cada processo que a Deco acompanha. Se, naquele ano, a média era haver sete empréstimos, em 2014 a fasquia desceu para quatro. Natália Nunes esclarece que esta tendência não se deve apenas a uma maior restrição na concessão de crédito, mas sobretudo ao facto de “as pessoas estarem muito mais responsáveis e com receio do futuro, o que as leva a decisões mais ponderadas”. Uma atitude que também é visível na taxa média de esforço das famílias, que desceu de 90% em 2013 para 73% no ano passado.
No ano passado, a maioria das situações de sobreendividamento (52%) foi resolvida com a renegociação de todos os créditos. Outros 29% foram arquivados depois de reestruturada uma parte dos empréstimos. E, por fim, em 19% dos casos não se conseguiu alcançar qualquer tipo de renegociação. Em média, os processos são concluídos em três meses e envolvem diversos contactos com as entidades credoras, como a banca.
Piores condições de trabalho
A coordenadora do GAS destaca ainda o facto de a degradação das condições de trabalho, que vinham escalando no ranking das causas para o sobreendividamento nos últimos anos, ter ultrapassado pela primeira vez o desemprego, ao representar 33% dos motivos pelos quais a Deco abre novos processos. Natália Nunes exemplifica que o rendimento médio das famílias que pedem ajuda à associação tem vindo a cair substancialmente – de cerca de 1500 euros em 2010 para pouco mais de 1060 euros em 2014.
Ao mesmo tempo, as causas relacionadas com as penhoras também subiram de 6% para 9% no período de um ano, estando por vezes associadas “a dívidas de terceiros, de que os sobreendividados se tornaram fiadores”, explica.
A maioria dos pedidos de ajuda chegou das grandes cidades, com Lisboa e Porto a representarem quase 57% do total. A capital lidera, com uma percentagem de 30,3%. Seguem-se na lista Setúbal (12,3%), Aveiro (6,7%) e Santarém (4,1%). As regiões do país com menos incidência de casos de sobreendividamento em contacto com a Deco são Guarda, Bragança (ambas com 0,5%) e Vila Real (0,4%).
É na faixa etária entre os 40 e os 54 anos que os pedidos de ajuda são mais usuais, com uma taxa de 39%, embora os casos entre os 25 e os 39 anos surjam logo a seguir, com 33%. Mas os crescimentos mais significativos têm abrangido a franja da população com mais de 55 anos, que passou a representar 26%, quando em 2012 o peso era de 21%.
Também são mais os casados que recorrem à Deco (46%), embora haja cada vez mais solteiros a fazê-lo (26%, que comparam com os 22% de 2012). De acordo com dados da associação, a maioria dos sobreendividados tem o segundo/terceiro ciclo (33%) ou o ensino secundário (36%). E trabalha no sector privado (35%) ou está desempregado (30%). O número de casos de funcionários públicos tem vindo a diminuir, ao contrário do que acontece com os reformados, que em 2012 tinham um peso de 13% e no ano passado chegaram aos 15%.
Natália Nunes acredita que o número de pedidos de ajuda “possa não aumentar muito mais” em 2015, mas também “não se espera uma grande redução”. Para a coordenadora do GAS, não se antevê “uma melhoria significativa nas condições financeiras das famílias”.
FONTE: Jornal O Público (03/02/2015)